A forte ocupação, gerada pelo turismo de três décadas, torna visível uma linha tênue entre o sucesso e o fracasso, evidência de uma óbvia disputa por espaços. Na praia, as barracas competem com as falésias enquanto as ondas da maré alta banham o que tem pela frente; na vila, pousadas, restaurantes e vendedores ambulantes competem pelo real cambiado de dólar e euro; nas dunas, bugueiros “legais” e “piratas” brigam em uma das atividades turísticas mais rentáveis; no ar, pilotos de parapente disputam espaço aéreo e o dinheiro do turista, ao ponto de haver voos triplos até em tempos de ventos fracos.
O atendimento desordenado gera falhas que comprometem os serviços. Carros se chocam nos morros de areia, voadores caem do céu e as ruas secundárias à Broadway (poucos chamam Rua Dragão do Mar) viram cenário escuro de assaltos. Sem ser diferente de outras vilas e cidades, nada disso é tão frequente comparado à quantidade de pessoas que passam por lá, mas tudo se torna evidente por se tratar de Canoa Quebrada.
Regulamentação
As medidas de regulação do espaço e dos serviços, quando surgem, têm primeiro o descontentamento dos regulados. Os presidentes e demais líderes das associações, então, são considerados os primeiros vilões. Quando os bugues trafegavam de qualquer jeito sobre as dunas, acidentes eram muito frequentes. Os próprios mantenedores da atividade perceberam a necessidade de criar uma associação para capacitar e limitar os permissionários. Mas paralelos aos 65 associados existem outros que há vários anos tentam entrar na atividade.
Os não cadastrados são considerados piratas nas dunas e reclamam de corporativismo da Associação de Bugueiros. “Somos todos pais de família que queremos trabalhar. Porque eles podem e nós não”, reclama Ulisses Sousa, que se admite “pirata”.
Responsabilidade
Beto Andrade, presidente da Associação de Bugueiros, aponta que os acidentes são causados, em geral, por turistas e bugueiros sem permissão. “O sujeito trabalha de qualquer jeito, cobra um valor inferior ao mercado, põem em risco a vida dele e dos turistas. Se acontece um acidente, quem responderá?” Indaga Beto. Para o bugueiro Wagner dos Santos, as dunas devem ser preservadas. “Se não houvesse limite de veículos credenciados, não ia caber tanto carro nas dunas e o risco seria maior”.
Situação parecida, mas em estágio ainda anterior, ocorre com os voos livres de parapente. As abordagens de venda de voos para quem sobe e desce as falésias são apenas o primeiro estágio de uma competição que segue, ainda, no espaço aéreo. Em distâncias curtas uns dos outros, pilotos sobrevoam barracas e falésias. Mesmo com vento fraco, eles arriscam-se também em voos triplos.
No dia 18 de janeiro, a reportagem flagrou a queda de um parapente com três pessoas a bordo. Dois turistas de São Paulo, pai e filha, ficaram feridos. O piloto Jerônimo Saunier teve uma fratura na região da bacia. A Prefeitura de Aracati suspendeu os passeios até que a atividade seja regularizada.
“Se cobramos que algum serviço seja feito corretamente, dentro de certos parâmetros, somos vistos como vilões e às vezes não entendem que estamos pensando isso para o bem delas, afirma Ruy Lima, dono de pousada e líder na Associação de Empreendedores de Canoa Quebrada (Asdecq), cujo presidente é Luís Nogueira. “Quando uma coisa dá errado em um segmento, afeta toda a Canoa, então o que pensamos é para o bem comum”, afirma Luís.
De acordo com levantamento da Associação, no ano de 2006, havia 45 pousadas em Canoa Quebrada, com 1.030 leitos. Neste ano, já são 105 pousadas e 3,8 mil leitos.
Canoa inchada
Nas principais datas da alta estação, há lotação de 100% dos quartos. Ainda mais nas ruas: durante o Réveillon, registrou-se cerca de 100 mil pessoas na vila. Representa 20 vezes a população fixa, de aproximadamente 4,5 mil pessoas. A maioria tendo o turismo como fonte de renda, uma economia que teve início com as barracas de praia. As atuais 23 estão irregulares por ocuparem Área de Preservação Permanente (APP), uma disputa no campo jurídico entre empresários e o Ministério Público que durou até 2013.
Há três meses venceu o prazo dado pelo Tribunal de Justiça do Ceará para que as barracas sejam removidas da área considerada de risco. Era uma luta antiga envolvendo ambientalistas e pessoas da comunidade que apontavam os danos causados atuais e futuros. A problemática só foi oficialmente levantada depois que houve desmoronamento em uma falésia, em 2009, deixando três pessoas feridas.
Diário do Nordeste
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