Há dias atrás, ouviu-se no meio evangélico uma afirmação que encarei como muito interessante: “no Reino de Deus, para subir, o melhor caminho é descer – aos pés da cruz”. Até lamento o fato de não lembrar o autor da frase, pois gostaria de lhe dar o devido crédito. Porém, mesmo no anonimato, nosso desconhecido frasista cunhou uma dessas verdades que a rotina, a competitividade profissional, o desenrolar sucessivo dos acontecimentos diários, nos fazem esquecer: a importância da cruz para os que se dizem cristãos. Tal colocação também me lembra a resposta de João, o batista, a alguns de seus discípulos e a um judeu, sobre o fato de Jesus também estar batizando (prerrogativa que os tais creditavam somente a João): “É necessário que ele cresça e que eu diminua”, respondeu, conforme João, capítulo 3, versículo 30. Ou seja: no conceito de Deus, na visão do Pai Celeste, só cresce quem diminui.
Este conceito, por sinal, Jesus deixou bem claro inúmeras vezes em que tratou de humildade, em contraposição à arrogância, elevando João – o mesmo que se diminuiu para que Ele crescesse – a um patamar moral e espiritual de dimensão quase inalcançável, conforme Mateus 11, versículo 11: “Em verdade vos digo que, entre os que de mulher têm nascido, não apareceu alguém maior do que João Batista”, ao mesmo tempo em que, no mesmo versículo, arremata: “mas aquele que é o menor no Reino dos céus é maior do que ele”. Paradoxo? Inexplicabilidade? Incongruência? Tortuosidade mental? Claro que não. Na verdade, o que Jesus traduziu para atônitos circunstantes foi um dos mais sublimes enunciados da inteligência divina, pilar da concepção de Deus para a vivência e o testemunho do rebanho pertencente ao seu reino e que se estabelece na estranha equação: para ser grande é preciso ser pequeno.
E qual a melhor escola, qual o melhor ambiente, qual o melhor curso, qual a melhor condição para aprendermos sobre esse (muito estranho e impraticável para a grande maioria) extraordinário conceito: aos pés da cruz. Não para sofrermos as dores indescritíveis que Jesus padeceu; mas para entendermos o que significa, para Deus, ser grande no seu reino. Pois, se atentarmos, vivenciarmos, estudarmos, compartilharmos, nos aprofundarmos o que na cruz se passou, veremos de como Jesus se tornou pequeno (para o mundo de então e, ainda hoje, para empedernidos sabichões), porém enorme, maiúsculo, grandioso, imponente, monumental, gigantesco – majestoso para Deus. Para enxergarmos a real dimensão que Jesus alcançou na cruz (e até mesmo antes dela, nos diálogos com Pilatos), basta depurar sua resposta a Pedro, no Getsêmani, diante dos soldados do Sumo Sacerdote que vieram prendê-lo.
O episódio, narrado em Mateus 26, versículos 52 e 53, todos conhecem. Após recompor a orelha do soldado atacado por Pedro, Jesus volta-se para o discípulo, dizendo: “Mete no seu lugar a tua espada, porque todos os que lançarem mão da espada à espada morrerão. Ou pensas tu que eu não poderia, agora, orar a meu Pai e que ele não me daria mais de doze legiões de anjos?” Ora, uma legião era composta por seis mil soldados. Ao se referir a 12 legiões, Jesus enumerava 72 mil guerreiros celestiais, àquela altura um exército formidável diante do pequeno comando que Pilatos mantinha em Jerusalém. Por alguns instantes, Jesus mostrou todo o seu poder, enquanto – em humildade e estrita obediência a Deus – submetia-se às ordens de pouco mais de uma dúzia de soldados. Começara ali o caminho do Calvário. Local de sofrimento, de morte – porém sem vez, nem espaço, para a soberba e a arrogância.
Públio José – jornalista
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