“(...) a arte da/ xilo/ a feira/ o cordel/ a bandeira/ o corte/ a parte da/ madeira/ o ferro/ o norte/ o recorte/ do ferro/ na madeira (...)”
Os versos acima foram extraídos de “Elogio da Xilo”, poema do livro “Crisantempo: No espaço curvo nasce um” (1998), do poeta concretista Haroldo de Campos. Quando os li imediatamente lembrei-me do versátil artista João Pedro do Juazeiro, gravador de madeira e cordelista, que já veio várias vezes a Quixeramobim nos últimos anos para ministrar oficinas tanto de cordel como de xilogravura a convite da turma do IPHANAQ.
Numa dessas oficinas eu acabei sendo seu aluno, e embora não tenha conseguido me tornar um xilogravador recordo-me que na oportunidade aprendi muito sobre essa técnica artística que João Pedro domina como poucos. Na ocasião ele presenteou-me com vários folhetos de cordel de sua lavra, e também com o valoroso manual teórico e prático “Xilocordel – Xilo e Cordel, Arte e Cultura” de sua autoria em que traça a história da xilogravura, e apresenta a sua oportuna e bem vinda ideia do Xilocordel.
João Pedro explica na contracapa do referido livreto que: “o Xilocordel foi criado em 2003 com o objetivo em difundir a Arte e a Cultura Nordestina, o repasse de conhecimentos e o fortalecimento da xilogravura e literatura de cordel que antes recebia ilustração somente nas capas, doravante o conteúdo também recebe ilustrações, um casamento que fortalece ambos e promove mais união entre xilógrafos e poetas, numa renovação renovada”.
Os principais temas desenvolvidos por João Pedro do Juazeiro no esculpir da madeira geralmente estão ligados à cultura e ao imaginário nordestino, tais como: Padre Cícero, o Cangaço, Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré, o Sertão, a lida do homem no campo, a religiosidade afro-brasileira, e, é claro o líder sertanejo Antônio Conselheiro. Sobre a temática de Antônio Conselheiro o artista esculpiu 13 gravuras para o álbum que originou a exposição “Matrizes de Antônio” que foi instalada na casa do beato em Quixeramobim (2014), e também ilustram o livro “De Quixeramobim a Belo Monte: Olhares sobre Antônio Conselheiro” (2014) organizado pelos conselheiristas Danilo Patrício e Osvaldo Costa.
Nascido em Ipaumirim-CE, em 1964, João Pedro criou-se em Juazeiro do Norte, onde foi vendedor ambulante e começou a desenvolver seu trabalho como gravador na famosa gráfica Lira Nordestina, até vir a fixar residência em Fortaleza. Nesse caminho foram muitos os desafios e as dificuldades. E esse ponto ele sempre faz questão de ressaltar quando fala do seu trabalho, destacando ainda os importantes apoios que teve, como o do Prof. Gilmar de Carvalho. João Pedro confessa que sempre foi um homem de fé, cultivador das amizades e que apesar das intempéries enfrentadas hoje finalmente consegue viver do seu labor. Felizmente sua arte tem ganhado notoriedade e reconhecimento não apenas no Ceará, mas também no exterior. Tanto que já esteve realizando oficinas e exposições em Portugal, Alemanha e Cabo Verde.
O gravador João Pedro (como gosta de ser reconhecido) é de fato um poeta da madeira. Resistente peregrino que caminha macio sobre esse mundo prático e veloz, tocando a vida, essa tantas vezes severina, com o suor do seu trabalho – verdadeira arte maior. Arte milenar da xilogravura que exige toda a lentidão e concentração do escultor que se põe a extrair com destreza e talento um fino-traço da madeira bruta – umburana - para ilustrar histórias na cabeça da gente.
Finalizo destacando de um dos seus últimos livretos “Poemas e Sonetos” os versos do meditativo e brioso poema “O Desgosto”:
A vida é pra se viver
Mesmo sentindo desgosto
Viver feliz e felicidade ter
Se provando seu contragosto
Mais se vive fazendo o bem
Faça-o sem olhar a quem
Mesmo recebendo o oposto
Se for tão amargo o desgosto
Lembre que doce é a rapadura
Mais que ao você morde-la
Sentirá ela ser bastante dura
Fazendo esta comparação
Verás que no mundo cristão
Felicidade vem depois da amargura.
Por
Bruno Paulino, cronista.