As cesarianas são 57% dos partos da rede pública do Estado e 95% da rede privada (Foto: Helosa Araújo)
“Para mudar o mundo, primeiro é preciso mudar a forma de nascer”. A frase do obstetra francês Michel Odent toca em um ponto bastante delicado: o nascimento. No Brasil, procedimentos cirúrgicos vêm sendo realizados de forma indiscriminada, fazendo com que a mulher deixe de ser a protagonista do parto para ter o médico como figura central. Ainda não se sabe, porém, qual a repercussão dessa prática no futuro da geração de crianças fruto dessa “epidemia” de prematuros.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o recomendado é que o índice de cesariana seja de 15% dos partos realizados. Elas devem ser feitas somente em casos especiais, para salvar a mãe ou o bebê. No Ceará, entretanto, as cesarianas representam 57% dos procedimentos realizados na rede pública e 95% da rede privada, o que dá a média alarmante de 76% de partos realizados por procedimentos cirúrgicos no Estado.
Seja por interesse do médico, que agenda a cirurgia conforme lhe é conveniente, ou por opção da própria mulher, que por temer sentir dor muitas vezes acaba optando pela cesárea, procedimentos cirúrgicos foram banalizados no Ceará. Prova disso é que o número de cesarianas no Estado é quatro vezes maior que o recomendado pela OMS.
Em 2010, foram registrados 65.4776 partos normais (50,8%) e 63.038 cesáreos (48,9%) no Ceará. A partir de 2011, no entanto, os procedimentos cirúrgicos passaram a representar mais da metade. No ano passado, atingiu o índice de 56,8%. Foram 53.226 partos normais (42,9%) e 70.544 (56,8%) cesáreos. Índice bastante superior à média nacional, de 41.98%.
No Brasil, os partos normais ainda são superiores aos procedimentos cirúrgicos. Foram 1.111.102 (58,02%) procedimentos normais no ano passado, enquanto as cesáreas somaram 803.811 (41,98%).
Após ter a primeira filha por cesariana, a psicóloga Íris Bonfim, 35, não pensa em outra coisa a não ser passar pela experiência de ter a segunda filha por parto normal. Diferentemente do primeiro parto, quando se sentia insegura e não tinha pesquisado o suficiente, desta vez, está sendo acompanhamento de uma doula, faz exercícios de ioga próprios para gestantes e busca o máximo de informações.
Banalização
“A cesárea foi uma evolução importante da medicina, salvou a vida de muitas mulheres. Mas, foi ficando banalizada. Quando comento que vou ter parto normal é como se fosse uma coisa arcaica. As pessoas dizem que hoje não precisa mais disso. Se criou uma outra cultura em relação ao parto”, observa. Hoje, bem mais preparada, diz que os planos são de ficar em casa durante o trabalho de parto e só quando estiver no período expulsivo é que irá para a maternidade. “Os hospitais não estão preparados para partos normais. Não é um espaço acolhedor”.
Mesmo nos casos em que a mulher escolhe ter o filho de forma natural, não raro encontra resistência médica. A doula Priscilla Rabelo, 35, ressalta que são muitos os pretextos utilizados para convencer a gestante a optar pela cesariana. “Dizem que a mulher é nova ou velha demais. Que é gorda ou magra demais. Quando tem a bacia estreita, dizem logo que ela não tem passagem, o que é um mito. Alegam a diabetes gestacional, que inclusive é uma condição que contra-indica cirurgia”, enumera.
Fonte: Diário do Nordeste