Lágrimas ao homem, vivas palhaço
Nem a idade avançada, nem as dificuldades da profissão ou mesmo os problemas de saúde conseguiam tirar-lhe o bom humor. O amor pela cena e suas palhaçadas eram sagrados. Aos 85 anos, o homem por trás do nariz vermelho e do sorriso largo, José Gomes da Silva, parte da vida e das dependências do Theatro José de Alencar, onde viveu nos últimos 42 anos. O Palhaço Trepinha, contudo, deve seguir vivo na memória.
"Anjos de nariz vermelho. Faleceu hoje o palhaço Trepinha, o mais antigo em atividade no Ceará", noticiou no início da tarde de ontem a direção do Theatro José de Alencar (TJA), via Twitter. Ele estava internado desde a semana passada com problemas cardíacos. Trepinha era o segundo funcionário mais velho da Secretária da Cultura do Estado ainda na ativa. Companheiro de geração do palhaço, o bailarino Hugo Bianchi, 86 anos, é um ano mais velho e continua a atuar, também no TJA. O velório aconteceu na tarde de ontém, no Theatro.
Trepinha dedicou 57 de seus anos a arte de fazer rir. Nasceu em Bonito de Santa Fé, na Paraíba, mas já aos 12 anos saiu da casa dos pais e elegeu o circo como seu novo lar. Seu lugar, era o mundo. No últimos anos, em conversas com o Diário do Nordeste, Trepinha falou sobre a vida mambembe de palhaço, o amor pelo palco, pelos amigos e por sua última morada em vida, o Theatro José de Alencar.
No início, fazia no circo o que fosse preciso. Com um olho prestava atenção ao serviço; com o outro, observava os artistas. "Quando era de noite, eu me apresentava para eles. Até que o palhaço oficial adoeceu. Foi a sorte que deu. Disseram: ´chama aquele rapaz!´", contou. Como palhaço, Trepinha viajou por 21 capitais do País e chegou a se apresentar na Guiana Francesa. Segundo o próprio, nessas andanças, deixou 23 filhos.
Ele se fixou em Fortaleza nos anos 70, após abandonar o circo, sem conhecer uma só pessoa na cidade. "Desci na Praça da Estação, vinha de bonde com uma maletinha, mas ai carregaram. Fiquei só com a roupa do corpo", lembrava.
Após trabalhar como garçom em uma "boate de mulher", conheceu o Theatro José de Alencar. O porteiro oficial e alfaiate do TJA, Clóvis Mathias, fizera suas boas vindas. Através dele, conheceu Haroldo Serra, então diretor da casa, e lá foi contratado como varredor. Depois, como palhaço. E permaneceu assim por décadas, driblando os problemas de saúde. Trepinha dizia que, do TJA, só sairia quando morresse.
"Eu estou por ver uma coisa nesta vida que seja melhor do que palhaço. Sou do tempo em que palhaço era rei", declarava seu amor pela arte.
Pesar
"Trabalhamos juntos na Comédia Cearense, na época do Teatro Carlos Câmara, em áureos tempos do teatro... Viajamos juntos para os festivais, era um excelente ator, muito natural, muito gentil... É uma notícia pesarosa, que me pegou de surpresa", comentou na tarde de ontem a atriz Antonieta Noronha. Muito comovida, a veterana recordou as primeiras vezes que Trepinha subiu aos palcos como ator. "Ele trabalhava como ajudante do teatro. O Haroldo achava ele uma figura muito interessante e resolveu colocar ele pra atuar e ele se saiu muito bem. Depois ele partiu pra esse trabalho de circo e, na vida, a gente foi se afastando, mas não tinha o que dizer do trabalho dele. Ele trouxe alegria pra muita gente!", acrescentou.
Divulgada a triste notícia, também a nova geração de artistas cearenses se pronunciou. Nas redes sociais, atores e diretores de teatro registravam palavras de carinho ao grande ícone do TJA.
O ator e pesquisador Mário Filho, do Núcleo de Pesquisa em Palhaçaria do IFCE, havia estado com Trepinha um dia antes do artista ser internado. "Ele já estava debilitado, mas mesmo assim brincou comigo. Rimos juntos de umas besteiras... Ele dizia que não tinham consertado a privada dele e eu prometi que compraria um penico, pra ´segurar as pontas´", recordou Mário.
Para o jovem palhaço, duas das grandes lições de Trepinha são a generosidade e o bom humor incondicional. "Ele sempre foi um cara muito generoso. Estava sempre por perto, assistindo os palhaços mais jovens que estavam se apresentando. Depois, ele vinha, comentava, dava um conselho. Mas principalmente, a lição que ele nos deixa é a de ser alegre nas mais variadas circunstâncias, porque ele nunca teve uma vida fácil. Esteve à beira da miséria e depois viveu uma vida simples, mas independentemente disso nunca perdeu o bom humor para nunca perder a vontade de estar próximo do público. Isso é muito precioso", ressalta.
O Secretario de Cultura, Francisco Pinheiro, também lamentou o falecimento do artista e ratificou a importância de seu trabalho. "O palhaço Trepinha foi a última das grandes figuras emblemáticas da arte da palhaçaria. Ele foi um artista do mesmo porte de um Carequinha. Com sua arte e sua alegria, ele prestou um relevante serviço para a cultura do Ceará". Procurada pelo Caderno 3, Izabel Gurgel, diretora do TJA e amiga de Trepinha, não conseguiu se pronunciar na ocasião. O choro traduzia a dimensão da perda. (Fonte: O Povo Online)
|
FOTOS VALMIR HOLANDA
|
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário