Antônio Caio Lopes Soares é mais um nome que será transformado em estatística sobre a violência. Ele foi assassinado com seis tiros na tarde desta terça-feira, dia 16, no outrora pacato município de Quixadá, no interior do Estado do Ceará.
Os disparos efetuados contra ele atingiram-lhe na cabeça, no tórax, no peito e nas nádegas. Diante dos primeiros tiros, seu instinto de sobrevivência ainda o moveu a correr, mas a morte o alcançou sem piedade, deixando-o caído, banhado com o próprio sangue, numa dessas calçadas que já foram palco de animadas conversas entre vizinhos em lugares como Quixadá.
Este seria apenas mais um homicídio numa cidade que já está acostumada a ler sobre execuções a bala, não fosse um detalhe: Caio tinha apenas 14 anos quando alguém decidiu aplicar-lhe apena de morte.
Como ocorre com frequência em casos deste tipo, recebemos informações de vários leitores explicando que a vítima se tratava de um “jovem difícil” e que, embora ainda muito novo, já tinha um passado “questionável”, como afirmaram.
O fato central desta história, no entanto, é que Caio era, para todos os efeitos, boa ou ruim, uma “criança” (no sentido reflexivo do termo, pois, de acordo com o ECA, criança vai até os 12 anos de idade) e, como tal, a vida que ele levava, bem como sua execução brutal é bastante reveladora, expondo as paredes deterioradas de instituições como o Estado e a família, nas debilidades das quais a criminalidade se ergue e se mantem.
Se assumirmos que Caio era uma criança “sem jeito” e que seria incapaz de alterar o curso da sua vida, de modo a alinhar-se ao conjunto de cidadãos de bem, estaremos nos declarando rendidos ao crime e assumindo que a nossa sociedade está de joelhos perante o império do mal.
Por outro lado, se entendermos que uma pessoa de apenas 14 anos normalmente representa sonhos e esperança de um mundo melhor, alcançaremos a percepção de como a execução brutal dela – bem como aquilo em que o Estado e a família foram incapazes de impedir que ela se transformasse em idade tão tenra – desestrutura-nos enquanto sociedade.
Se o envolvimento de crianças com o crime já representa um insulto à ordem social, a aplicação da pena de morte a uma delas – e bem no meio das nossas ruas, à luz do dia -, é um estupro coletivo às nossas sensibilidades, um ataque às nossas instituições, uma provocação às nossas forças e à nossa capacidade de retaliar com aquilo a que chamamos de justiça.
Junto ao corpo de Caio, o assassino – também uma possível vítima de um sistema falido -, juntou-se à realidade que transformou o garoto em quem ele era para deixar caídos, banhados de sangue sobre aquela calçada, também homens e mulheres de bem, famílias, governos, nossa sociedade, nossas esperanças de dias melhores, aquilo que chamamos de civilização.
E isto tudo certamente deve nos fazer parar para refletir: Onde estamos errando? Onde estamos deixando de investir? O que deveríamos exigir com mais vigor daqueles que comandam os destinos do país? Por que nossas famílias estão tão enfraquecidas? Por que nossos jovens estão se perdendo e, em consequência, pagando com a própria vida? Estamos tratando a criminalidade da maneira correta? Até que ponto o voto ajuda a mudar este cenário? Por que indivíduos se sentem livres e em condições de executar um garoto em uma de nossas ruas?
Caio será transformado, como dito no princípio, em um número para estatística. O seu assassinato, porém, caso seja absorvido como normal e aceito como parte do cotidiano de uma sociedade sangrenta e sem jeito, terá nos transformado, depois de séculos de processo civilizatório, novamente em bárbaros.
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