Nesta época do ano, quando ocorrem as primeiras chuvas, o tom cinza das matas, transforma-se em um verde vivo e viscoso. A natureza se renova, mostra o poder de mudança da Caatinga, que, em linguagem indígena, significa mata branca. A vida torna-se mais alegre no campo, com o crescimento das lavouras tradicionais de feijão, milho, arroz, macaxeira e jerimum.
Quando chega o período da quadra invernosa, as chuvas da madrugada deixam as manhãs frias. O entardecer torna-se mais alegre, com o cheiro de terra molhada se espalhando pelo campo e misturando-se ao aroma das flores nativas. A natureza se renova, no ciclo permanente, a cada ano.
Os cactos e mandacarus perdem destaque com o verde de outras plantas nativas ocupando a vegetação característica do sertão. As terras preparadas, reviradas para o plantio, se sobressaem com o tom marrom. O solo é cultivado, até que a lavoura o encubra. Em dias de chuva e quando o céu permanece nublado, o sertão se transforma mais ainda, fazendo com que a sua gente esqueça os intermináveis meses de secura, intenso calor e, ainda, aridez.
Magia
O ciclo de chuva começou a partir da segunda quinzena de fevereiro passado. Depois de um período longo de estiagem, a paisagem mudou. “Está tudo verde, mais bonito e alegre”, disse a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iguatu, Natália Feitosa, que não abre mão de morar na localidade de Gadelha, zona rural deste Município. Todos os dias faz o caminho de ida e volta, distante 15km do centro urbano. “Acordar no campo é muito gostoso”, observou Natália.
A chuva tem essa magia de transformar o estado de espírito do sertanejo. Com verde do campo, renasce o verde da esperança. No Sertão Central, a metamorfose da natureza com as últimas precipitações começa a ser apreciada e elogiada.
Em Quixadá, conhecida por sua peculiaridade geográfica, pela formação de cadeias de monólitos, como uma das mais exóticas do Brasil, o Açude do Cedro, apesar de estar seco, com apenas 8% do seu volume, ganha destaque. Os visitantes consideram a paisagem deslumbrante, tendo ao fundo uma das mais famosas formações rochosas do Mundo, a Pedra da Galinha Choca. Em poucos dias, o monocromático acinzentado, causado pela estiagem prolongada, deu lugar a um verde exuberante.
Além de encantada, a professora universitária Alice Masteranni ficou impressionada. Esticando as férias no Ceará, com um grupo de amigas, a educadora paulista recebeu orientação dos guias turísticos para conhecer a “Terra dos Monólitos”, pela proximidade de Fortaleza, apreciar o sertão seco e ainda conhecer o Santuário de Nossa Senhora Imaculada Rainha do Sertão. “Quando subi ao Santuário, percebi a dimensão da beleza do lugar. Não é apenas o Rio de Janeiro que é abençoado por Deus. A cidade de Quixadá também é”, comentou.
Segundo a agente de turismo Priscila Almeida, a procura dos turistas de outros Estados e do estrangeiro é maior no período da estiagem. Nesta época do ano, a cidade recebe mais visitantes cearenses. Além do Açude Cedro e do Santuário, procuram a Gruta de São Francisco, a pouco mais de 5Km do Centro, e o Pedra do Ventos, um Resort, situado sobre uma serra, no distrito de Juatama. Os hóspedes podem percorrer as trilhas ecológicas e observar a natureza.
Além da flora, em breve, outro atrativo estará na culinária. Entusiasmados com as chuvas, os agricultores começaram a trabalhar nos seus roçados. Alguns já estão plantando feijão e milho. Com a natureza ajudando, dentro de 45 dias haverá um ingrediente especial na mesa do sertanejo e nos restaurantes, feijão verde com maxixe. Em 90 dias, dá para saborear o milho verde, cozido ou assado, explica o agricultor Ednaldo Leão.
Nos últimos quatro anos, a seca predominou na região. Agora, percorrendo regiões como Canindé, Caridade, Itatira, Paramoti, General Sampaio e Tejuçuoca, encontra-se outra realidade no campo. A esperança de dias melhores e fartura ressurge.
“Quando as primeiras gotas de água caem do céu, anunciando a chegada das chuvas, o sentimento de alívio invade o coração dos sertanejos que todos os anos sofrem com a escassez de água durante o período de estiagem”, observa o morador de São Vicente, em Caridade, Francisco Amaro Freitas, 65, que acredita em um ano diferente.
Segundo ele, essa beleza natural fortalece a alma, o coração e gera forças para que não desista nunca de deixar o sertão pela cidade grande. As chuvas que caíram no mês de fevereiro mudaram o cenário do campo e começaram a transformar a vida no Sertão de Canindé. O verde voltou a ser a cor predominante na Caatinga, trazendo esperança para os agricultores que já começaram a plantar a lavoura.
“O verde tomou conta do campo e expulsou a inimiga do povo, a seca”, diz, em tom de alegria, a agricultora familiar Maria do Carmo Silva, da localidade de São Bernardo, em Canindé. A recuperação da pastagem, característica da Caatinga, é um dos pontos positivos nesse momento. “Basta pouca chuva para o sertão despir-se do cinza, da miséria, da seca e ganhar uma nova roupagem, na cor verde, que traz de volta a esperança”, observa a estudante do curso de Agropecuária na Escola de Ensino Profissionalizante Capelão Frei Orlando, em Canindé, Catarina Alves Silva.
Não é preciso muita chuva para mudar a paisagem. Os pés de jurema e de marmeleiro, que compõem em grande parte a flora da Caatinga, são o exemplo mais evidente dessa transformação, pois logo com as primeiras chuvas ganham folhagem nova e exuberante.
Árvores de maior porte, embora em menor quantidade, como o pau-branco e a aroeira, também adquirem nova roupagem. A transformação geral na flora repercute diretamente na fauna. Com o reverdecimento, muitas aves típicas do bioma Caatinga retornam para o seu habitat, em época propícia para reprodução.
“Até mesmo o corrupião, uma espécie em ritmo de extinção, depois das chuvas e do verde, começa a ressurgir em nossas matas”, observa o poeta Pedro Paulo Paulino, de Vila Campos, na zona rural de Canindé.
Diário do Nordeste
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