A leishmaniose visceral, uma grave zoonose, mais conhecida como calazar, já matou 23 pessoas até outubro deste ano no Ceará. No ano passado foram 35 mortes nos 12 meses. De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), esses números representam uma taxa de letalidade de 6,37%. Como a seca prolongada contribui para o aparecimento de novos focos, a Sesa está iniciando o treinamento de médicos no diagnóstico e tratamento dessa doença.
O treinamento foi iniciado pela região do Cariri. A capacitação foi dirigida a médicos do Programa Saúde da Família e de unidades e hospitais das regiões de Juazeiro do Norte, Crato e Brejo Santo, cidades onde a classificação epidemiológica é considerada intensa. Quanto mais rápido o diagnóstico for indicado, maiores são as chances de cura do paciente.
A região do Cariri apresenta confirmações de novos casos de Leishmaniose visceral. Em Crato, por exemplo, o número de eventos confirmados já chega a três. A quantidade de pessoas infectadas pela doença, no entanto, não é vista pela Secretaria de Saúde do Município como preocupante. Conforme a secretária municipal de Saúde, Aline França, o setor vem desenvolvendo ações que objetivam debelar toda e qualquer possibilidade de propagação da doença, a partir de ações desenvolvidas pelo Centro de Zoonoses do Cariri, sediado no Município, e do trabalho efetivado pelos agentes de endemias responsáveis pela visitação às áreas onde há suspeita de casos da doença.
As chamadas “ações de bloqueio”, segundo explicou Aline França, consistem na localização de possíveis focos de transmissão e no tratamento imediato das pessoas contaminadas. “A nossa região tem um fator histórico da presença do mosquito transmissor dessa doença. Isso implica um trabalho de monitoramento constante em relação aos casos suspeitos e às ações de bloqueio. Nas regiões de Guaribas e Belmonte, por exemplo, essas ações são frequentes”, diz.
Aline França explicou, ainda, que as ações são desenvolvidas em parceria com a 20ª Coordenadoria Regional de Saúde do Cariri, responsável pela pulverização de inseticida nas áreas onde existem confirmações da leishmaniose. “A parceria é importante para que a cobertura possa ser ampliada em um maior número de localidades. Além da pulverização de inseticida, a Regional de Saúde também nos auxilia com o encaminhamento de agentes de endemias aos locais onde o bloqueio é realizado”.
De acordo com a Sesa, neste ano, até outubro, foram confirmados 361 casos de calazar no Ceará. Além das três cidades situadas no Sul do Estado, e da capital, outras 15 cidades do Interior também apresentam índice de epidemiologia intenso. Sobral se destaca na Zona Norte, com 52 casos constatados neste ano, sete deles resultando em óbito. A próxima capacitação de médicos será nessa cidade.
Em Sobral, conforme as informações do Centro de Controle de Zoonoses, há um intenso trabalho de prevenção na região, considerada endêmica. Durante todo o ano, os agentes de combate às endemias visitam os bairros, realizando os testes nas casas que possuem cães. O método usado pelo CCZ de Sobral é a Reação de Imunofluorescência Indireta (Rifi) – o recomendado pelo Ministério da Saúde. A médica veterinária Fabia Karennina Braga alerta para os resultados do exame Rifi. De acordo com ela, é comprovado que esse exame pode sofrer diversas interferências de resultado. “A sorologia é bastante sensível, sendo possível um resultado cruzado (ou falso – positivo). O método mais eficaz para diagnosticar a presença do protozoário é a punção da medula óssea”.
Na região Centro-Sul, o número de casos confirmados de calazar em pessoas dobrou em 2013 e 2014, em comparação com anos anteriores. Em 2012, foram confirmados três casos. Os dados são da 18ª Coordenadoria Regional de Saúde. Nas cidades de Iguatu e de Acopiara, foram registrados três casos em cada uma. De acordo com o Centro de Controle de Zoonoses de Iguatu, somente neste ano foram sacrificados 55 cães, que tiveram exames positivos. “A gente observa que há uma incidência em todos os bairros”, disse a veterinária, Bruna Freitas. Agentes de endemias diariamente fazem coleta de material (sangue) para diagnóstico de calazar.
Boa Viagem, no Sertão Central, não está na relação dos municípios onde o problema é mais grave, mas dois casos de contaminação de humanos foram registrados recentemente nesta cidade. Um dos pacientes é um homem de 40 anos e o outro é uma menina de 11 meses. Eles foram infectados em dois bairros diferentes. A criança já recebeu alta e está em casa. O outro paciente ainda se encontra internado, mas seu quadro clínico é considerado estável.
Estratégias
A secretária de Saúde de Boa Viagem, Rozivalda Ferreira, disse já terem sido iniciadas as estratégias para detectar os focos da doença e, se for o caso, adotar as medidas para sacrificar os cães infectados. Uma equipe também começou a recolher os animais das ruas e passou a mantê-los em um abrigo, sob observação. Os quarteirões onde os dois casos ocorreram foram bloqueados sanitariamente e ainda estão sendo realizados 140 testes de calazar nos animais.
Na avaliação da assessora técnica do Programa Estadual de Controle das Leishmanioses da Sesa, médica veterinária Jane Cris Cunha, a expansão de áreas endêmicas da leishmaniose se deve às transformações no ambiente, provocadas pelo intenso processo migratório, por agressões ambientais, por pressões econômicas ou sociais, processo de urbanização crescente.
Ela aponta as secas periódicas, como fatores para o aparecimento de novos focos. Estudos demonstraram forte evidência da relação entre o fenômeno El Niño e o risco de epidemia de doenças transmitidas por vetores em várias regiões do mundo, incluindo o calazar no Nordeste brasileiro. De 2010 a 2012, o Ceará foi responsável por 15% do total de casos e de óbitos por leishmaniose visceral do País.
Conforme a Sesa, as leishmanioses são um conjunto de doenças causadas por protozoários transmitidas ao homem (e também a outras espécies de mamíferos) por insetos vetores ou transmissores. De modo geral, essas enfermidades se dividem em leishmanioses tegumentares, que atacam a pele e as mucosas, e viscerais (ou calazar), que atacam os órgãos internos.
Diário do nOrdeste
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